Um grito vindo do povo ronda o país: um grito pedindo pena de morte, maioridade com menos de 18 anos, cadeia, penas maiores. Algumas pessoas brilhantes estão sugerindo até a implantação da pena de castração química para autores de estupro. Essas pessoas brilhantes e misericordiosas alegam, em defesa de tais propostas, que nos Estados Unidos elas já estão sendo adotadas. Ora, o que os Estados Unidos fazem só pode ser, evidentemente, perfeito, como, por exemplo, as várias guerras das quais participaram, o racismo brutal, as intervenções em outros países, o consumismo sem limites, etc. De fato, devemos copiar tudo do Tio Sam.
Ouso, porém, considerar tímidas as propostas apresentadas.
Por que não reduzir a responsabilidade penal para os dois anos de idade? Ou, melhor, ainda: por que não reduzir tal idade para dois dias de vida? Nunca se sabe se um desses bebês suspeitos poderá praticar algum crime na maternidade…
Outra medida muito interessante, que beneficiaria nossa brava, honrada e misericordiosa gente brasileira, seria enquadrar como crime inafiançável o ato de pedir esmolas, de vender doces nos cruzamentos, de pedir para tomar conta do carro: a pena poderia ser, por exemplo, setenta anos de trabalhos forçados.
Também é imprescindível que o assédio sexual seja exemplarmente punido: que tal a pena de furar um dos olhos do facínora? E cadeia de trinta anos, também, é claro.
E os corruptos? Pena de morte, é lógico, mas, antes, devem ter as mãos cortadas.
Um médico cometeu um erro? Também deve ser morto, mas com cortes de bisturi…bem devagar…
Os motoristas embriagados deveriam ser executados com garrafadas pelo corpo, você não acha?
O ato de fumar, por sua vez, deveria ser punido com a pena de cento e vinte anos de prisão.
Os traficantes de drogas, os usuários, todos eles deveriam ser executados sumariamente.
Além dessas medidas específicas, poderia ser feita uma simples alteração no Código Penal: as penas que, atualmente, fossem de até oito anos, seriam triplicadas; já as penas que hoje passam de oito anos deveriam ser transformadas em penas de morte. Os condenados menos perigosos poderiam receber o benefício da prisão perpétua (com trabalhos forçados, é claro).
Não basta, porém, mudarmos o Código Penal. Precisamos fazer radicais mudanças no Processo Penal, também.
Nada dessa demora reinante hoje em dia. Tudo poderia ser simplificado. Se a vítima (com ou sem testemunhas) acusar alguém da prática de um crime, o acusado deveria ser imediatamente preso, existam ou não provas. Se o crime for muito grave, os pais ou outros parentes próximos da vítima poderiam, ainda na delegacia, torturar o criminoso.
Um ponto importante seria este: se parentes e amigos de vítimas aparecessem na imprensa, chorando e acusando o criminoso, bem como se a própria imprensa dissesse que este é culpado, deveria ser dispensado o julgamento formal; no máximo, poderia ser feita uma pesquisa do tipo “você decide”, com direito ao sorteio de um carro, sendo que a digna, misericordiosa e científica opinião pública decidiria a sorte do monstro. Se a opção pela condenação fosse a vencedora, a execução poderia ser feita imediatamente, com transmissão direta.
Ponto também importante é o Estado parar de gastar tanto dinheiro em educação, saúde, previdência e outras atividades supérfluas. Crime é coisa de vagabundo…e vagabundo precisa é de pena. Para isso, porém, deveriam os recursos públicos ser aplicados de tal forma que, em cada esquina, houvesse um policial. Deveria, ainda, haver total vigilância sobre todos, sendo gravadas, todo o tempo, todas as comunicações telefônicas, bem como filmando-se o interior de todas as casas, todas as ruas, todos os lugares. Quem fosse flagrado no cometimento de algum delito, seria preso e condenado imediatamente.
Se todas essas medidas fossem adotadas, haveria paz suficiente para que todos pudéssemos ir às igrejas fazer nossos louvores a Deus.
Que lindo!
E quando você ou seus filhos forem os réus? Você vai continuar achando isso lindo? Vai?
A denominada opinião pública já fez escolhas péssimas (lembra-se de Barrabás?).
E continua do mesmo jeito…
Acredite: só o amor poderá acabar com a violência. Rancor gera rancor, ódio gera ódio. Só a carga positiva do amor poderá anular a carga negativa do ódio. Quem quer linchar um criminoso é menos violento do que este? É?
Será que milênios de erros não serviram para aprendermos nada? Será que milênios de vingança, de penas, de castigos, de linchamentos não demonstraram o fracasso do “olho por olho, dente por dente”? Será que não conseguimos aprender nada com a história?
Nada?
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P.S.: Outro dia, atendendo a pedidos, republiquei um texto que já havia saído no Imprensa Livre há mais de dez anos. Hoje, republico um artigo mais antigo, ainda. E não estou atendendo a nenhum pedido. Eu simplesmente estava relendo alguns textos publicados antes de 2001 e me deparei com este. Fiquei espantado, ao perceber como ele permanece atual…
Publicado originalmente no “Imprensa Livre”, em fevereiro de 2011, sendo republicação da primeira, ocorrida antes de 2001. E continua atual…que triste…