Entre as lembranças que trago da infância, algumas das mais vivas são as locuções de rua. Parece que estou ouvindo agora o peixeiro passando com sua carrocinha, gritando:
– Atuuuuum, sardiiiinha es-pe-ci-al!!!
– Olha a pescada branca!
Depois vinha o entregador de gás. Naquela época, o caminhão não tocava música nenhuma, mas sim o entregador gritava:
– Olha o gás!!!
E a sinfonia continuava com vários personagens:
– Correio!
– Verdureiro!
- Abacaxi! Abacaxi docinho!
- Olha o biscoito!
O amolador de facas nada falava, apenas tocava um apito, subindo e descendo na escala musical.
Já o vendedor de biju agitava sua matraca, num som que enchia a boca d’água: tac, tac, tac, tac…
Muita coisa mudou, mas a locução de rua ainda continua viva.
Em São Sebastião, por exemplo, o Benê já se tornou patrimônio histórico: locutor da Prefeitura, povoa as ruas com seus “amiguinho” e “amiguinha”.
Mas há, também, alguns problemas nessa atividade.
Volta e meia passa pela minha rua um carro no qual é vendida alguma coisa, mas confesso que não faço a mínima idéia do que seja. O sistema de som é tão ruim, que não dá para entender nada:
É só barulho, chiado e aquele apito agudo típico de microfonia.
– Chhhhhhhhh. Mmmmmmmmmm. Fiiiiiiiii. Chhhhhhhhhhh…
A vez em que mais cheguei perto de entender alguma coisa, foi assim:
– Aproveite, Dona Maria! Aqui na sua porta! Bem baratinho!!! Chhhhhhhhh. Mmmmmmmmmm. Fiiiiiiiii. Chhhhhhhhhhh Aproveite agora! Chhhhhhhhh. Mmmmmmmmmm. Fiiiiiiiii. Chhhhhhhhhhh…
Existe, também, aquele verdadeiro mestre da gramática:
– Quatro caixa, dois real!
Esquisito, mesmo, é um vendedor de pamonha que passa de vez em quando. Vendedor é modo de dizer… Ou o sujeito não quer vender nada, ou é um grande tirador de sarro. Depois de ouvir o anúncio da pamonha, saio correndo, e correndo bem, mas quando chego na calçada…o carro já está saindo da rua. Nunca vi nenhum vendedor passar com tanta velocidade. Para mim é um mistério. Talvez ele seja tímido…quem sabe?
O que eu queria, mesmo, era ouvir, agora, aquele som tão gostoso:
– Churros! Churros quentinhos!!!
Publicado originalmente no “Imprensa Livre”, em setembro de 2009.