Natal é nascimento.
Guardamos a data em que respiramos pela primeira vez, mas nos esquecemos de que todas as outras respirações são tão importantes como a primeira.
Na verdade, portanto, estamos sempre nascendo. Pelo menos deveria ser assim…
Fiquei sem ver por anos um amigo. Ele progrediu muito, em termos materiais: doutorado, casa própria, subiu muito na sua carreira. Não obstante esse aparente sucesso, ele me pareceu com a mesma idade – em termos de desenvolvimento existencial – da última vez em que estivéramos juntos.
Por outro lado, já vi pessoas que transpuseram montanhas de obstáculos em poucos segundos. Num momento, eram sombras; no outro, brilhavam.
Aquele doutor respirou por anos, mas está morto. O outro não apenas respirou e respira: nasce de novo em cada respiração.
Eu sou – agora – a somatória das minhas respirações, da água e dos alimentos que ingeri, das emoções que senti, das pessoas que conheci, das lágrimas que chorei, dos risos que acentuaram minhas bochechas, dos abraços que dei e recebi, dos desencontros, dos meus erros e acertos, da minha compaixão e da minha frieza, dos livros que li, das músicas que ouvi e cantarolei, das idas corajosas, dos recuos mesquinhos, da busca pelo heroísmo e da constatação da covardia.
Agora, exatamente agora, um moribundo, lá no fundo do poço cavado por ele próprio, pode fazer o esforço para sair do lodo.
Agora, exatamente agora, um rei pode, em seu palácio, dar o primeiro passo para ouvir os clamores dos seus súditos.
Agora, exatamente agora, podemos escolher nascer de novo.
Feliz novo nascimento agora!
Publicado originalmente no “Imprensa Livre”, em dezembro de 2013.