Outro dia eu estava tomando um café na Satélite da Rua da Praia, em São Sebastião, sentado em uma mesa na calçada, olhando para o horizonte, tendo como limite Ilhabela. De repente avistei um par de tênis atravessando a rua. Era um par de tênis verde, mas era um verde…um verde…um verde-limão-fosforescente-olha-eu-aqui-cheguei. Percebi, então, que havia alguém fazendo uso daquele calçado: era o Jorge. Elogiei-o. É muito importante que o pedestre seja visto, e com aquele tênis seria impossível que alguém não o percebesse. Tive a impressão de que o Jorge imaginou que eu estivesse sendo irônico… Não sei por quê…
Lembrei-me, então, da velha luta envolvendo aqueles biscoitos recheados com chocolate. Na verdade, o recheio é cercado por dois biscoitos. Muitos preferem separar os biscoitos, comendo cada um separadamente, numa verdadeira loteria para saber que lado acabará com mais recheio. Outros preferem comer o biscoito na sua forma integral. Nada mais é do que a personificação do título deste artigo.
Em quase tudo na vida, as pessoas possuem gostos diferentes.
Eu, por exemplo, coloco o feijão debaixo do arroz. Outros já bombardeiam feijões sobre o arroz (uma heresia, mas…gosto não se discute…).
Nesse mesmo dia, porém, vi a Flávia (esposa do Jorge, aliás) comendo pão com manteiga. Ela, assim como minha família e outras pessoas ilógicas, comia o pão separadamente da ingestão do café com leite. Por mais que eu respeite o gosto dos outros, é muito estranha essa atitude. O certo, como expliquei para ela, consiste em morder o pão, dar umas poucas mastigadas, ingerindo, então, o café com leite (ou achocolatado). Dessa forma, podemos conhecer o melhor de todos os mundos, em termos de sabor: o mundo do pão, da manteiga, do café, do leite… Pior, ainda, são as pessoas que molham o pão no café. Algumas chegam a fazer uma verdadeira sopa!
Na verdade, porém, nada disso chega a me irritar. O que me irrita, mesmo (sem nenhum medo de estar sendo repetitivo), é a colocação de mussarela em todos os tipos de pizza.
Por falar em irritação, logo depois passou por mim um bilheteiro (antigamente poderia chamá-lo de um velhinho simpático; hoje diria que está na melhor idade). Como sempre, ele pergunta:
– Vai bilhete, hoje?
Quando eu quero comprar, de pronto respondo: “me dá um, por favor”.
Quando, porém, eu não quero comprar nenhum ingresso para a fortuna, respondo com um auto-explicativo: “hoje não, obrigado”.
O bilheteiro, então, começa a desfiar os bichos que tem nas mãos:
– Tem borboleta, com 13. Tem macaco. Pavão só tem meio bilhete. Também tem vaca.
Eu fico me perguntando onde está a ambiguidade no meu “hoje não, obrigado”.
Publicado originalmente no “Imprensa Livre”, em fevereiro de 2013.