A quase totalidade da Humanidade vive no mesmo nível dos outros animais. São, na verdade, meros canudos. Numa das extremidades desses canudos entram ar, água e comida; na outra, os resíduos dessas ingestões são dispensados. Esses canudos também possuem uma estrutura não material, composta por elementos como o orgulho, a vaidade, o desejo, que nada mais são do que encarnações do apego ao “status” de ser canudo. Essa estrutura faz com que os canudos se esqueçam de que são simples canudos.
Muito raramente, algum desses canudos começa a sentir uma sede diferente da que sempre sentiu. É uma sede de sentido. É uma sede que não se extingue com a fama, com a fortuna, com o poder, com o sucesso. Mesmo diante de vitórias materiais, como que surge uma voz, não se sabe de onde, balbuciando bem baixo: “estou com sede”!
A maioria desses raríssimos canudos sedentos de sentido, em vez de buscarem a fonte onde poderiam matar a sede, mascaram-na com o álcool ou outras drogas, com o jogo, com a luxúria, etc. Em pouco tempo aquela sede fica amortecida; não saciada, apenas amortecida.
Transcrever em palavras a busca do sentido, da Luz, de Deus, da Consciência, enfim, é exercício tendente ao fracasso total. Tudo fica com aparência de livro de auto-ajuda. Parece que tudo não passa de poesia barata. Para evitar isso, vou tentar (apenas tentar, é claro) esclarecer um pouco mais a sede acima mencionada. Tanto nas religiões como nas ciências, sempre houve referências a algo que dá força a tudo, a algo que fica além dos limites da materialidade que percebemos, a algo que seria a energia primordial que dá e mantém a vida como a conhecemos. Por milênios essa energia recebeu o nome de éter; no hinduísmo, era chamada de “prana”; no cristianismo, está estampada na frase “o reino de Deus está em vós”; Wilhelm Reich a denominava “orgônio”. Se ampliarmos essa entidade para os níveis de uma vida que parece permear todas as vidas, até o “inconsciente coletivo” de Jung poderia ser aqui incluído.
O nome dado a esse algo que permeia todos os algos não é o que importa. Importante é que, de repente, algum canudo começa a suspeitar da existência de algo além de seu algo, de um nível mental mais profundo do que sua mente diária. Sua percepção se expande…
Para aqueles poucos que não fogem da sede de sentido, tem início o caminho da busca espiritual. Daí para a frente, sem a menor sombra de dúvida, não é possível nenhuma descrição dessa trilha, nem mesmo lançando-se mão das mais belas parábolas. Trata-se de um caminho pessoal, criado a cada passo, sem traçado prévio, sem pódium de chegada.
Para alguns, a Compaixão é o guia. Para outros, é o trabalho duro sobre o corpo e a mente. Para uns, trata-se de um perceber-se; para outros, de um doar-se.
Certa vez criei um site no qual iria publicar minhas experiências de busca espiritual. O subtítulo que dei ao site pode dar uma ideia da dificuldade intransponível que é tentar trazer para a palavra esse caminhar: “rastros de um anelo que…”. Foi o máximo de verbalização que consegui.
Feita a introdução acima, vou tentar traçar vislumbres do que seja Consciência. Mas só na próxima quinta-feira.
Vou, porém, deixar uma cena do próximo capítulo. Você sabia que um bêbado de rua, nos momentos em que está livre dos efeitos do álcool, se conseguir reconhecer o inferno em que vive, estará mais perto da Luz do que um homem materialmente bem sucedido, o qual – apenas para saciar seu desejo – faz planos para comprar seu segundo helicóptero?
Publicado no “Imprensa Livre”, em maio de 2013.