-“Agora, minhas finanças estão sob controle!”
Repeti essa frase, já quase na Rua da Praia, talvez pela trigésima vez. Esta história, porém, começou algumas centenas de metros antes…
Bem ao lado do estacionamento do Supermercado Garça, deparei com um rapaz vendendo porcos. Não, não voltamos ao tempo em que se vendia carne pelas ruas centrais de São Sebastião: eram porcos de barro, destinados ao armazenamento de moedas, vulgarmente conhecidos como “cofrinhos”.
Havia vários modelos, de diversos tamanhos. O rapaz, verdadeiro especialista em porcos de barro, explicava qual a capacidade de armazenamento de cada modelo.
Ah! a ganância… Meus olhos se fixaram num porco que, devidamente alimentado com moedas de um real, proporcionaria, no final da engorda, a quantia de dois mil reais, quantia necessária para comprar uma nova geladeira. Do olhar para a aquisição foi um segundo. Antes, porém, como precisa ser de praxe, consegui que o seu preço caísse de dez para nove reais.
Peguei o meu porco, feliz da vida (aliás, felizes, uma vez que o porco também exibia um sereno ar de felicidade).
Quando fui colocar a primeira moeda no porco – a mesma que recebera de troco – tive uma idéia. Não sou nem um pouco supersticioso, mas pensei que, antes de dois mil atos em busca das minhas próprias finanças, seria conveniente um ato de altruísmo: em vez de ir para o porco, aquela moeda foi de volta para as mãos do vendedor. Uns dirão que fiz isso para dar sorte, mas insisto que não passou de um ato quase científico.
Então eu olhei para o porco, ele olhou para mim: Wilson! O nome do porco iria ser Wilson (eu e minha família temos o hábito de dar nome para tudo, do meu fusca (Flocão) à chaleira que apita (Margô). E aquele porco tinha cara de Wilson. Minha filha mais nova, que me acompanhava, perguntou se o nome escolhido era devido à bola que fez companhia ao personagem do Tom Hanks, no filme “O Náufrago”. Quase revoltado pela sua insinuação de imitação, expliquei que, provavelmente, a escolha teria sido levemente influenciada por alguma antiga propaganda de um frigorífico homônimo. A verdade, porém, é que o nome ficou sendo Wilson. Espero que os Wilsons não se ofendam. Pelo contrário, podem sentir-se homenageados, uma vez que o Wilson tem um ar muito simpático.
Ainda naquela calçada, com o Wilson debaixo do braço, soltei a piada para um amigo que passava:
-“Agora, minhas finanças estão sob controle!”
Risadas daqui, risadas de lá. Continuei repetindo a graça para todos os conhecidos que encontrei pelo caminho. Minha filha – não sei o motivo – foi ficando para trás…
Comprei minha geladeira (que, aliás, não tem nome…caso raro) quando casei, em 1989. Por uns cinco anos, funcionou normal e silenciosamente. De repente o seu motor passou a fazer um barulho…um barulhão. E, cada vez que o motor desliga automaticamente, o barulhão é algo indescritível, talvez idêntico à parada de um trem. Levei-a ao técnico, o qual me disse que não compensaria mexer no motor: ela poderia parar de funcionar a qualquer momento. E esse momento não chegou até hoje…
Coloquei o Wilson no chão da cozinha, num canto oposto ao da geladeira. Pode parecer loucura, mas eu tenho a nítida impressão de que o Wilson e a geladeira trocam olhares nervosos… Talvez seja porque ambos estão sob a espada da impermanência: a geladeira pode parar a qualquer momento; o Wilson, depois de duas mil moedas, vai virar uma geladeira…é filosofia demais…
A verdade, porém, é que está acontecendo algo que parecia impossível: desde a chegada do Wilson, a geladeira está fazendo ainda mais barulho. Será um protesto por ter sido escancarado o seu futuro? Será por não ter nome?
Repito que não sou supersticioso, mas…Etelvina é um bom nome para a minha geladeira?
Publicado originalmente no Imprensa Livre”, em julho de 2011.