AMOR

Não é fogo, nem arde, nem é visto ou não visto.
Só É
Talvez, um perfume que se ouve de longe, um tato brilhante, um sabor com ecos.

Não é ferida, nem dói, nem mesmo se sente.
Só É
Talvez, um esquecimento do que, por eras, se chamou de contentamento…ou descontentamento, tendo por cume um vácuo inflado de ventos, num moto-perpétuo de geração (percebimento?) de agoras.

Não se quer, nem se busca, nem se alcança, nem se tem, nem se perde.
Só É
Talvez, um verbo ainda não criado, que busca por vizinha uma pontuação ainda não criada.

Não sabe o que é vitória, nem derrota, nem lealdade, nem deslealdade.
Só É
Talvez, um acordar para um sonho em cartaz desde nunca, com estréia sempre agora.

Não se considera diferente da amizade, nem da paixão.
Só É
Talvez, um constatar que não se é um Camões, e dar de ombros gentilmente, descobrindo, numa fusão singular do agora, que quatro ombros são, na verdade, um par de asas.

Não é voar alto e avistar universos.
Só É

Oração para quem sofre

Se você é alcoólatra, ou sofre de adicção a outras drogas, a outros vícios – melhor dizendo: se sua escravidão tem a ver com álcool, outras drogas ou outros vícios, talvez esta oração lhe diga algo…

          Pai,

          Sei que tu és.

          Sei, também, que, se existo, é porque

          Tu és em mim.

          Assim como o mar é o mar,

          Assim como as ondas também são mar,

          Assim como as gotas que cospem dos rochedos

          Também são um pedaço do mar,

          Assim também,

          Embora eu seja um ser humano,

          Tu és em mim.

          E, se tu és em mim,

          Eu sou uma faísca de ti.

          Tudo criaste.

          E viste que tudo era bom.

          Como fui criado por ti,

          Só posso ser bom.

          O Sol, a Lua, as águas,

          Tudo o que criaste é bom.

          O Sol, com sua realeza,

          Não foge um milímetro

          Do rumo que traçaste para ele.

          E, como viste desde o minuto um,

          Esse rumo era bom.

          As águas, as aves, as cores,

          Tudo segue o rumo que traçaste,

          Rumo que viste que era bom.

          Eu, porém, pequeno que sou,

          Querendo brilhar mais do que o Sol,

          Querendo dominar mais do que as águas,

          Querendo ofuscar mais do que as cores,

          Esqueci que me tinhas criado à tua imagem,

          Esqueci que, como disse teu Filho,

          Teu reino mora dentro de mim.

          Então, fugi.

          Fugi da vida,

          Fugi de mim,

          Fugi daquele eu que tinhas feito bom.

          Como, porém, sempre estiveste em mim,

          Para não ouvir teu chamado de Pai,

          Precisei fechar meus ouvidos com vinho.

          E o vinho entrou em mim como música.

          Claro que fizeste o vinho bom.

          Mas para mim ele virou um demônio.

          Mais que isso: ele virou meu amo.

          E com o vinho fiquei maior do que o Sol,

          Voei mais alto e livre do que os pássaros.

          Meu lindo porvir parecia mais vasto do que as águas,

          Embora a luz da manhã e da sanidade

Deixasse à mostra o vazio em que eu afundava.

E, para afastar o desespero desse vazio,

Voltava a afundar, cada vez mais, no meu pântano,

Levando comigo tudo de bom que criaste em mim.

E assim fui me enganando,

          Afastando-me de ti,

          Afastando-me dos meus,

          Afastando-me de mim.

          Até que me vi só,

          Completamente só.

          Acordado, então, como de um pesadelo,

          Percebi que da minha solidão ainda brotava algo:

          Tua voz chamando: filho !

          E, sem forças para pedir perdão,

          Sem idéias para rogar piedade,

          Sem olhos para ter esperança,

          Humildemente, eu gritei:

          Pai !